O camembert do Camembert (parte II)

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Continuação... Parte I

Respirando fundo e repetindo a questão, enfatizando a palavra ca-mem-bert, obtenho a resposta:

"Ah, cámambérr! Sim, 'tão na ilha de queijos."

Nem factos, nem curiosidades, nem conselhos.

"Mas eu já estive a procurar e não encontrei nenhum..." – lamentei-me.

"Então se não estiverem aí, é porque já não há." 

Ora, esta última frase é A TAL frase que toda a gente teme ouvir quando procura alguma coisa específica, deseja essa coisa específica e pretende levar consigo nesse momento essa coisa específica. Tremeram-me as perninhas. Entrei em modo de negação. 

"Mas... mas... como não há? Este queijo está em todo o lado! É um dos mais famosos queijos do mundo! Estamos numa cadeia de lojas francesa!..." – etc. e tal.

Que farei eu sem camembert? Outro qualquer queijo francês? Uma enciclopédia de queijos? Uma roda de triângulos da Vaca que Ri (La Vache qui Rit)? Que farei eu sem camembert?!

O rapaz escusou-se e foi atender duas senhoras roliças que lhe apontavam com um dedo sapudo para o fiambre mais gordo da vitrine:

"Ó fachabor, duzentas gramas deste"

Num desânimo que só visto, arrastei os pés, outrora saltitantes, supermercado fora. A música mexida daquela hora ecoava nos meus pensamentos vazios. Cabisbaixa, decidi autoflagelar-me e cumprir penitência no corredor dos frios porque estava de calções e t-shirt. Arrepiei-me e pensei no John Snow e nas suas vigílias gélidas no topo da Muralha. That's how it feels.

Olhei sem ver as prateleiras organizadas com manteigas, margarinas, queijos frescos, queijos ralados... Queijos? Uma centelha de esperança! Percorri rapidamente o olhar pelas várias prateleiras, li algumas etiquetas de preços para me certificar de que não era o queijo pretendido até que, iluminado pela luz divina (lâmapada fluorescente de 50 watts) avistei uma caixinha de madeira, redonda, com um autocolante escrito totalmente em francês, em que em letras douradas brilhava resplandecente o epíteto "Camembert"! Não me vieram as lágrimas aos olhos, mas foi por pouco.

Contente, corri para pagar na caixa. Novamente corri para o balcão dos embrulhos, onde uma funcionária arregalou muito os olhos ao ver o que estava a pedir-lhe que embrulhasse.

"Bom... e quer o laço verde ou branco?"

Branco, claro, não fosse eu uma cinéfila.

18h04, a aula deve estar prestes a começar! Galguei as escadas com o saquinho de plástico a balançar-se alegremente de um lado para o outro no meu braço. O sorriso parvo no meu rosto sugeria raios de sol, chupa-chupas e arco-íris (talvez um pónei ou outro). Mas, subitamente, o arco-íris desapareceu, o sol coberto por uma nuvem cinzenta: se a aula ainda demora uma hora, como vou manter o queijo fresco? Não queria nada que o Camembert recebesse um queijo morno e molengão no lugar de um fresco e firme para a celebração do seu mega-aniversário. Uma história destas merece um final feliz para ambos os senhores Camemberts. Afinal de contas, até a Capuchinho Vermelho (pitazita fresca) se safou do Lobo. Tinha de pedir ajuda...e um frigorífico!

Na recepção do complexo desportivo, sentado na sua cadeira e ao telefone, estava o senhor a quem digo sempre "boa tarde!" quando chego e "adeus, até amanhã!" quando me vou embora. Aproximei-me cautelosamente. Sei que o pedido que estava prestes a fazer ia parecer descabido. Talvez nem mo atendesse. Afinal, quantas pessoas lhe terão pedido antes de um treino: Olhe, não se importava de me guardar este queijo durante a minha aula de spin?". Por um lado, não queria incomodá-lo, já que falava ao telefone. Por outro, tinha pressa em manter o camembert fresco e em ir para a aula. Observando-me uns meros segundos, o senhor deve ter-se apercebido do meu dilema (qual Maia, qual quê) e da minha urgência (talvez estivesse a fazer aquilo com as sobrancelhas outra vez, não poderei precisar), e pediu para o outro lado da linha "espere só um momento, por favor". Tapando o bucal, perguntou-me: "Diga, menina, precisa de alguma coisa?"

Como abordar a questão..?

Pelos cornos. 

O senhor ouviu atentamente o meu pedido, não me interrompeu, nem emitiu qualquer juízo. Quando terminei (um pouco a medo, por não saber se estava prestes a ver um sorriso de escárnio, uma gargalhada sonora ou simplesmente um piscar de olhos atónito), limitou-se a falar novamente para o telefone em tom sério: "Desculpe, não se importa que eu lhe volte a ligar?", pousando o auscultador de seguida.

"Um frigorífico..." – declarou, de olhos semicerrados, rebuscando no fundo dos seus pensamentos. "Um momento." – disse, voltando a si, resolvido. Voltou a pegar no telefone, digitou um número curto e eu senti o seu espírito de missão pelos gestos assertivos, seguros e determinados. Trocou meia dúzia de palavras imperceptíveis com alguém do outro lado da linha e, pousando novamente o auscultador, informou-me:

"A menina desça três lances de escadas e aguarde. Um colega meu irá ao seu encontro."

Sentindo que no meu frágil saco de plástico não ia um queijo camembert mas sim um coração humano, produzi um breve aceno de cabeça em concordância, o meu corpo tomou imediatamente uma postura hirta. Virei-me de costas para o balcão, olhei as escadas e, com um sentimento simultâneo de medo e fome pelo desconhecido, iniciei a minha longa descida.

 

Continua...



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